Introdução
Existem textos que atravessam gerações e continuam impactando corações, porque falam de sentimentos universais. Um desses textos é “Papai Perdoa”, escrito por William Livingston Larned, jornalista e escritor norte-americano.
Publicado pela primeira vez no início do século XX, esse texto se tornou um clássico da paternidade. Ele mostra a luta de um pai entre o cansaço da rotina e o desejo de ser presente e amoroso com o filho. Mais do que um simples desabafo, é um convite à reflexão para todos que são pais ou mães.
O Texto na Íntegra – Papai Perdoa
Autor: William Livingston Larned
Escute, filho: enquanto falo isso, você está, dormindo, uma mãozinha enfiada debaixo do seu rosto, os cachinhos louros molhados de suor grudados na fronte. Entrei sozinho e sorrateiramente no seu quarto. Há poucos minutos atrás, enquanto eu estava sentado lendo meu jornal na biblioteca, fui assaltado por uma onda sufocante de remorso. E, sentindo-me culpado, vim para ficar ao lado de sua cama.
Andei pensando em algumas coisas, filho: tenho sido intransigente com você. Na hora em que se trocava para ir à escola, ralhei com você por não enxugar direito o rosto com a toalha. Chamei-lhe a atenção por não ter limpado os sapatos.
Gritei furioso com você por ter atirado alguns de seus pertences no chão.
Durante o café da manhã, também impliquei com algumas coisas. Você derramou o café fora da xícara. Não mastigou a comida. Pôs o cotovelo sobre a mesa. Passou manteiga demais no pão.
E quando começou a brincar e eu estava saindo para pegar o trem, você se virou, abanou a mão e disse: “Tchau, papai!” e, franzindo a testa, em resposta lhe disse: “Endireite esses ombros!”
De tardezinha, tudo recomeçou. Voltei e quando cheguei perto de casa vi-o ajoelhado, jogando bolinha de gude. Suas meias estavam rasgadas. Humilhei-o diante de seus amiguinhos fazendo-o entrar na minha frente.
As meias são caras – se você as comprasse tomaria mais cuidado com elas! Imagine isso, filho, dito por um pai!
Mais tarde, quando eu lia na biblioteca, lembra-se de como me procurou, timidamente, uma espécie de mágoa impressa nos seus olhos? Quando afastei meu olhar do jornal, irritado com a interrupção, você parou à porta: “O que é que você quer?”, perguntei implacável.
Você não disse nada, mas saiu correndo num ímpeto na minha direção, passou seus braços em torno do meu pescoço e me beijou; seus braços foram se apertando com uma afeição pura que Deus fazia crescer em seu coração e que nenhuma indiferença conseguiria extirpar. A seguir retirou-se, subindo correndo os degraus da escada.
Bom, meu filho, não passou muito tempo e meus dedos se afrouxaram, o jornal escorregou por entre eles, e um medo terrível e nauseante tomou conta de mim. Que estava o hábito fazendo de mim? O hábito de ficar achando erros, de fazer reprimendas – era dessa maneira que eu o vinha recompensando por ser uma criança.
Não que não o amasse; o fato é que eu esperava demais da juventude. Eu o avaliava pelos padrões da minha própria vida.
E havia tanto de bom, de belo e de verdadeiro no seu caráter. Seu coraçãozinho era tão grande quanto o sol que subia por detrás das colinas. E isto eu percebi pelo seu gesto espontâneo de correr e dar-me um beijo de boa noite. Nada mais me importa nesta noite, filho. Entrei na penumbra do seu quarto e ajoelhei-me ao lado de sua cama, envergonhado!
É uma expiação inútil; sei que, se você estivesse acordado, não compreenderia essas coisas. Mas amanhã eu serei um papai de verdade! Serei seu amigo, sofrerei quando você sofrer, rirei quando você rir. Morderei minha língua quando palavras impacientes quiserem sair pela minha boca.
Eu irei dizer e repetir, como se fosse um ritual: “Ele é apenas um menino – um menininho!”
Reflexão final
Ler o texto “Papai Perdoa” foi como olhar no espelho. Em cada linha, percebi não apenas a história de outro pai, mas também a minha. Me lembrei das vezes em que deixei o cansaço e a pressa falarem mais alto do que o carinho, os momentos em que respondi de forma impaciente, e as situações em que corrigi mais do que abracei.
É duro admitir, mas todos nós, em algum momento, falhamos. Diversas vezes falhei como pai, como marido, como indivíduo. E foi exatamente por isso que esse texto mexeu tanto comigo. Ele me mostrou que não basta estar presente fisicamente — é preciso estar de verdade. É preciso transformar cada encontro com os filhos em um momento de atenção, de paciência e de amor.
Compreendi que a presença de qualidade é feita nos detalhes: no olhar que acolhe, no abraço que conforta, na escuta que valoriza, no respeito com que tratamos nossos filhos, mesmo nas pequenas coisas do dia a dia. Não importa se o tempo que temos juntos é curto — o que importa é que esse tempo seja verdadeiro, inteiro, inesquecível.
Por isso, assumo aqui um compromisso: continuar tentando ser melhor. Melhor como pai, melhor como indivíduo. Vou errar ainda, claro, mas vou lutar para que meus filhos tenham mais memórias de amor do que de impaciência, mais lembranças de afeto do que de correções, mais orgulho do que mágoa.
Porque, no fim das contas, o que fica não é o que conquistamos no trabalho ou acumulamos na vida, mas a forma como tratamos aqueles que mais amamos.